O mito da participação


Luís Marques Mendes (JOSÉ COELHO/Lusa)

As recentes declarações de Luís Marques Mendes, sobre a própria candidatura presidencial, são elucidativas quanto à tentativa desesperada dos políticos reservarem para eles próprios o acesso a cargos de soberania.

Se por um lado, vai-se observando uma retórica que exalta a participação civil na política, por outro, na hora H, observa-se uma resistência enorme quando membros da sociedade civil pretendem candidatar-se. Um contrassenso.

Em Fafe, na sua apresentação, Marques Mendes elencou todo o seu currículo político e enalteceu-se como sendo um candidato preparado. Até aqui até se podia compreender. O que me parece incompreensível foi o que veio a seguir, quando declarou categoricamente que "o cargo de Presidente da República é um cargo eminentemente político" que "deve ser exercido por quem tem experiência política." Esta posição, reforçada pela advertência contra "aventuras, experimentalismos ou tiros no escuro", ilustra precisamente o mecanismo de exclusão que opera no seio das instituições democráticas portuguesas. No caso a tentativa de excluir o candidato Almirante Gouveia e Melo.

Não deixa de ser irónico que alguém que esteve tantos anos a comentar em horário nobre, precise de deste tipo de narrativa na tentativa de diminuição dos adversários. Seria interessante refletir sobre as causas que levam a que o eleitorado, ainda assim, manifeste maior intenção de voto no Almirante. Mas adiante que essa reflexão fica para depois.

O que importa referir é que este contrassenso de por um lado apregoar a importância da participação cívica, através de múltiplas iniciativas como as consultas públicas, fóruns de debate e programas de voluntariado, sempre muito balizadas na forma e no tempo, e por outro, quando se trata de posições de poder real, como a Presidência da República, o argumento da "inexperiência política" surge como barreira fundamental, apelidando os candidatos, sem carreira política tradicional, como representantes de "experimentalismos".

Esta narrativa de Marques Mendes, que enfatiza a sua experiência como deputado, autarca, ministro e líder partidário, é um um enorme sinal de como os agentes estabelecidos procuram preservar o seu monopólio sobre o capital político, deslegitimando outras formas de experiência e competência.

Esta questão de se valorizar políticos de carreira é uma das grandes causas para a polarização e extremar de posições que tem vindo a fragmentar o parlamento. O que não deixa de ser interessante quando essa mesma fragmentação é usada para reforçar a necessidade de experiência política convencional.

Tudo piora quando os órgãos de comunicação social amplificam este fenómeno, como ficou evidenciado pela cobertura da apresentação da candidatura de Marques Mendes.

A construção de uma democracia efetivamente participativa exige que questionemos esta visão restritiva do que constitui experiência política válida. Quando Marques Mendes afirma que "não existe uma Presidência sem política", devemos questionar que tipo de política queremos? Uma política circunscrita aos círculos tradicionais de poder, ou uma política verdadeiramente aberta à participação da sociedade civil?


O que diz a constituição sobre o cargo de presidente da república? Será legitimo os políticos chamarem para si estem e outros cargos, apenas porque consideram que a experiência política, que, como sabemos, depende muito mais de relações pessoais do que de mérito, em detrimento de uma experiência rica e diversificada?

A transformação não é livre de complexidades várias, e vai além de uma mera alteração das estruturas formais do poder político. Requer uma profunda mudança na cultura política dominante. Uma mudança que permita reconhecer que a experiência política não se esgota nos cargos formalmente exercidos, mas também, ou sobretudo,  no compromisso cívico e a capacidade de compreender e responder às necessidades da sociedade civil.

Estas eleições presidenciais, onde se preve um grande número de candidatos, oferece-nos uma oportunidade crucial para questionar e debater os mecanismos de exclusão que persistem no nosso sistema político, desde da forma como os partidos gerem as listas, para promover uma discussão mais profunda sobre o que verdadeiramente qualifica alguém para ocupar cargos de decisão política até ao mais alto de liderar o país. A verdadeira democratização do espaço político português depende da capacidade de todos nós superararmos estas barreiras invisíveis e de reconhecermos que a experiência política pode manifestar-se de formas diversas, todas igualmente válidas para o exercício de qualquer uma das funções do Estado.




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