A Insustentável Desvalorização da Carreira Docente em Portugal

 



A análise detalhada do relatório “Education at a Glance 2024” da OCDE revela uma realidade perturbadora que não pode continuar a ser ignorada pela sociedade portuguesa e, principalmente, pelos decisores políticos. Portugal apresenta uma diminuição de 4% nos salários reais dos professores entre 2015 e 2023, num contexto onde a média da União Europeia dos 25 (UE-25) registou um aumento de 4%. Esta disparidade não é apenas um número – é o reflexo de uma política educativa que sistematicamente desvaloriza os seus profissionais e compromete o futuro da educação nacional.


O panorama europeu torna as evidências ainda mais preocupantes e põe a nu a inadequação das políticas portuguesas. Enquanto países como a República Checa implementaram aumentos salariais de 16%, a Escócia de 12%, e mesmo economias comparáveis como a Espanha conseguiram um aumento de 2%, Portugal segue na contramão, juntando-se a um grupo minoritário de países que optaram pela desvalorização dos seus docentes. A análise dos salários iniciais é particularmente reveladora da falta de atratividade da profissão em Portugal. Os salários estatutários brutos anuais dos professores em início de carreira na UE variam entre 9.897 euros na Polónia e 84.589 euros no Luxemburgo, colocando Portugal numa posição insustentável para um país que ambiciona estar entre as economias mais desenvolvidas da Europa.


É particularmente crítico observar que, enquanto países como a Alemanha oferecem salários iniciais de 62.322 euros aos seus professores – quase o dobro dos seus homólogos franceses (32.186 euros) – Portugal continua a apresentar justificações orçamentais para a sua inércia. Esta política de contenção salarial tem consequências diretas na qualidade do ensino e no futuro do país, criando um ciclo vicioso de desvalorização profissional e degradação do sistema educativo.


A análise longitudinal presente no relatório da OCDE é ainda mais alarmante e expõe a gravidade da situação portuguesa. Observando o período entre 2005 e 2023, Portugal registou uma diminuição de 13% nos salários reais dos professores – uma das maiores quedas na Europa, apenas superada pela situação extrema da Grécia (-33%). Este declínio prolongado teve um impacto devastador na atratividade da profissão e na qualidade do ensino, criando uma crise estrutural que ameaça tornar-se irreversível.


A situação agravou-se significativamente após a pandemia de COVID-19, um período que deveria ter servido como catalisador para uma reformulação profunda das políticas educativas. Esta tendência, observável na média da UE-25, foi particularmente severa em Portugal, onde a combinação de pressões inflacionárias com a estagnação salarial resultou numa erosão ainda mais acentuada do poder de compra dos professores.


É fundamentalmente criticável a abordagem do Governo português que insiste em responder a esta crise estrutural com medidas superficiais e declarações de solidariedade. A comparação com países como a Turquia, que implementou um aumento de 31% nos salários dos professores entre 2015 e 2023, demonstra que existem alternativas políticas quando existe vontade de valorizar verdadeiramente a educação. Esta discrepância evidencia que a questão não é de impossibilidade económica, mas de priorização política.


Face a este cenário alarmante, é imperativo exigir uma restruturação completa da carreira docente, com uma valorização salarial que aproxime Portugal da média europeia. É necessária a implementação imediata de um programa de recuperação do poder de compra perdido desde 2005, acompanhado pela criação de um sistema de progressão na carreira transparente e previsível, eliminando os actuais constrangimentos administrativos. Paralelamente, é crucial estabelecer incentivos significativos para a fixação de professores em zonas carenciadas e desenvolver um programa nacional de habitação específico para professores deslocados.


O relatório da OCDE demonstra claramente que os países que investem seriamente na educação estão a distanciar-se progressivamente daqueles que optam por políticas de contenção. A análise das Paridades de Poder de Compra (PPC) revela disparidades significativas que colocam Portugal numa posição cada vez mais periférica no contexto europeu, comprometendo não apenas o presente, mas hipotecando o futuro das próximas gerações.


A situação atual é manifestamente insustentável e exige uma mudança radical de paradigma. A contínua desvalorização da profissão docente não é apenas uma questão laboral – é uma ameaça direta ao futuro do país e à sua capacidade de competir numa economia global cada vez mais baseada no conhecimento. O Governo português tem de compreender que a excelência educativa não se alcança com retórica ou medidas pontuais. É necessário um investimento massivo e estruturado na educação, começando pela valorização efetiva dos seus profissionais.


As evidências apresentadas no relatório da OCDE são inequívocas: os países que prosperam são aqueles que valorizam verdadeiramente os seus professores. Portugal tem de decidir se quer fazer parte deste grupo ou se pretende continuar na trajetória atual de declínio educativo. O tempo das medidas cosméticas acabou – é hora de uma revolução na política educativa nacional, uma revolução que comece pela dignificação real e efetiva da profissão docente. O futuro do país depende desta decisão, e o custo da inação será infinitamente superior a qualquer investimento necessário para reverter esta situação crítica.

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