A Ética na Política: entre o querer, o dever e o poder

 Como militante do PSD em Lisboa desde 2018, tenho assistido com profunda preocupação ao desenrolar de eventos que mancham não apenas o nome do nosso partido, mas a própria essência da democracia local. O caso “Tutti-Frutti” não é apenas mais um escândalo político – é o sintoma de uma doença que há muito corrói as estruturas partidárias: o caciquismo, o nepotismo e a instrumentalização dos recursos públicos em benefício de interesses privados.


Os contornos desta investigação são perturbadores: conversas sobre distribuição de empregos, contratos direccionados a amigos, uma teia de influências que transformou algumas estruturas partidárias em verdadeiros “clubes privados” onde só entram os que se vergam, os que se calam, os que aceitam o status quo. Como militante, testemunhei ao longo dos anos o sistemático afastamento de vozes independentes, de pessoas que ousavam questionar, que se recusavam a participar no jogo das “cunhas” e dos “favores”.


É particularmente preocupante ver como alguns dos visados, mesmo após serem formalmente acusados, resistem em abandonar os seus cargos partidários. A presunção de inocência é um princípio fundamental da justiça, sim, mas a ética política exige mais. Como nos ensina o filósofo Mario Sergio Cortella, a ética resolve-se no equilíbrio entre três questões fundamentais: quero?, devo?, posso? Nem tudo o que queremos podemos, nem tudo o que podemos devemos, nem tudo o que devemos queremos.





Se os protagonistas deste caso tivessem feito este exercício ético antes de cada decisão, provavelmente não estaríamos hoje a discutir um caso “Tutti-Frutti”. Teriam percebido que não basta poder fazer algo – é preciso questionar se devemos fazê-lo, se essa ação serve o interesse público ou apenas interesses particulares.


O PSD encontra-se numa encruzilhada moral. A direção nacional não pode continuar a “lavar as mãos” quanto às estruturas locais. Se queremos manter a credibilidade junto do eleitorado, precisamos de ação decisiva: os acusados devem ser imediatamente afastados de todos os cargos partidários. Não basta suspender mandatos na Assembleia da República ou nas Câmaras Municipais – é preciso um corte total com estas práticas e com quem as representa.


Como dizia Francisco Sá Carneiro, figura maior do nosso partido, “A política sem risco é uma chatice, mas sem ética é uma vergonha”. Hoje, mais do que nunca, estas palavras ecoam com particular relevância. O risco de perder poder político imediato, de desagradar a certas estruturas instaladas, é um risco que devemos estar dispostos a correr em nome de um bem maior: a regeneração ética da política.


É hora de o PSD mostrar coragem. Coragem para limpar as suas estruturas, para abrir as portas a uma nova geração de políticos comprometidos com a ética e o interesse público, para romper definitivamente com práticas que envergonham todos os que acreditam numa política ao serviço dos cidadãos.


A justiça fará o seu trabalho nos tribunais, mas a justiça política não pode esperar. Como militante, exijo mais do meu partido. Como cidadão, exijo mais da nossa democracia. A ética não pode ser apenas uma palavra bonita nos discursos – tem de ser uma prática constante, um compromisso inabalável com o bem comum.


O caso “Tutti-Frutti” pode ser o ponto de viragem que precisávamos. Que seja o catalisador de uma verdadeira revolução ética na política portuguesa. Haja coragem para fazer o que tem de ser feito.

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