Marques Mendes e o debate sobre baixas e greves nas escolas
A recente intervenção do comentador político Marques Mendes na SIC gerou significativa controvérsia nas redes sociais, particularmente entre médicos e professores, ao afirmar que "há greves a mais nas escolas públicas" e que "há baixas a mais nas escolas". Estas declarações, feitas durante o seu comentário semanal, pelo qual recebe 85 euros por minuto, levantam questões importantes sobre a fundamentação das análises políticas nos órgãos de comunicação social.
O comentador ignorou dados contextuais cruciais, como o relatório do Conselho Nacional de Educação que indica que Portugal tem uma das classes docentes mais envelhecidas da Europa. A correlação entre idade avançada e maior incidência de problemas de saúde parece ter escapado à sua análise, que se baseou mais em impressões pessoais do que em evidências concretas.
Quando confrontado pela apresentadora Clara de Sousa, que sublinhou que "ninguém escolhe ficar doente", Marques Mendes manteve a sua posição com base no "eu acho" e "toda a gente acha". Esta abordagem levanta preocupações sobre a responsabilidade de comentadores influentes ao lançarem suspeitas sobre classes profissionais inteiras, incluindo os médicos que prescrevem as baixas médicas.
Muitos são os sociólogos que nos alertam, precisamente, para os perigos desta simplificação do debate público, onde opiniões sem fundamentação substituem a análise rigorosa dos fenómenos sociais. A democracia só é verdadeiramente democrática quando baseada em discussões fundamentadas e não em preconceitos ou ideias feitas.
Esta tendência portuguesa tem um nome, denomina-se "não-inscrição" - a facilidade com que se fazem afirmações sem consequência nem responsabilidade. Este fenómeno, que podemos associar ao "achismo" demonstrado por Marques Mendes, contribui para um empobrecimento do debate público e para a desresponsabilização dos opinion makers.
Quanto às greves, particularmente relevante é o caso das Assistentes Operacionais, profissionais essenciais ao funcionamento das escolas, que auferem apenas 821,83€ mensais - menos do que Marques Mendes recebe por dez minutos de comentário. Esta disparidade salarial sublinha a legitimidade das suas reivindicações através de greves, um direito constitucionalmente protegido.
Sabemos que a greve não é apenas um instrumento de luta laboral, mas um mecanismo fundamental de equilíbrio democrático numa sociedade que se quer justa e equitativa. A desvalorização deste direito através de comentários superficiais representa um risco para a própria democracia. Não me parece que seja Marques Mendes a discernir entre a diferença do uso da lei e o abuso da lei.
Além disso, Marques Mendes, parece ignorar que a "moderação" que defende nem sempre produz resultados. Como exemplo, a recuperação do tempo de serviço dos professores só foi possível através de uma postura mais assertiva por parte dos sindicatos. A nova equipa governativa do Ministério da Educação tem demonstrado maior abertura ao diálogo, mas foi a pressão sindical que contribuiu significativamente para as mudanças alcançadas.
Era bom que alguém alertasse Marques Mendes para o perigo de se fazer política baseada em opiniões em vez de evidências. Mesmo num espaço de opinião, há a necessidade de uma análise fundamentada e contextualizada das problemáticas educativas, algo que contrasta fortemente com o "achismo" demonstrado no comentário televisivo que acabou por acontecer.
Esta situação levanta questões importantes sobre a qualidade do debate público em Portugal e sobre a responsabilidade dos comentadores políticos. O papel dos comentadores políticos deve ser o de contribuir para um debate público informado e não o de amplificar preconceitos ou ideias não fundamentadas.
Num momento em que a educação enfrenta desafios significativos, é fundamental que a discussão se baseie em dados concretos e análises fundamentadas, não em impressões pessoais ou generalizações sem suporte factual. O "achismo", especialmente quando veiculado por figuras influentes nos média, representa um obstáculo significativo à construção de um debate público construtivo e à procura de soluções efetivas para os problemas da educação em Portugal.
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