A Tirania do "Bota Abaixo" - Alberto Veronesi

 



Vivemos em plena era digital e isso tem trazido novos desafios à sociedade. Hoje, dedicarei estas linhas aos especialistas do “bota abaixo”. Aqueles que estão ávidos por criticar tudo e todos, sem qualquer constrangimento, atrás de ecrãs, incapazes de fazer um exercício simples de se colocarem no lugar do outro.

A sociedade contemporânea tem-se transformado num país de especialistas repentinos. Em cada umas das casas, há sempre um treinador de futebol, geralmente melhor que o do próprio clube, um economista de bancada, um gestor de topo que passou ao lado de uma grande carreira e, claro está, um especialista em educação. Todos eles com opiniões formadas sobre qualquer assunto, certezas absolutas e soluções miraculosas para os problemas que dizem conhecer!

A questão nem está na critica em si, pois é fundamental o debate de ideias, o problema reside sobretudo na critica quando esta é totalmente desprovida de argumento, contexto e recusa-se a perceber as limitações de quem criticam. A crítica que  não tem em conta a complexidade das tarefas, que as tenta simplificar para poder atacar com maior facilidade.

Este fenómeno é altamente evidente no sector da educação, onde assume contornos de uma complexidade extrema. De há uns tempos que vai emergindo entre uma determinada ala dos professores um movimento “anti-diretores” que propaga, sem grande filtro e tendo por base experiências pessoais, muitas até isoladas que distorcem a perceção, teorias que roçam a conspiração.

Parece que para esses colegas os líderes escolares tornaram-se alvos demasiados fáceis. Se querem implementar algum tipo de mudança, são apelidados de autoritários, se, por outro lado, mantêm as tradições, são rotulados de conservadores. Se são exigentes com a disciplina e rigorosos nos procedimentos são vistos como opressores, se promovem uma determinada flexibilidade, são considerados permissivos. Esta ala não deixa espaço para o benefício da dúvida, para a compreensão das limitações ou mesmo para o reconhecimento das intenções saudáveis.

Este sentimento advém do cansaço da classe. Foram anos de promessas não cumpridas, reformas mal implementadas, discursos vazios que acabaram por criar um clima de enorme desconfiança generalizada. Mas, é importante referir que esta desconfiança tem tendência para se transformar em incapacidade de distinguir os esforços genuínos de mudança.

Por esse motivo, colocar todos as mais de oito centenas de diretores no mesmo saco, não só não é justo, como também é contraproducente. Esse modus impede-nos de conseguir identificar e apoiar aqueles que realmente, não obstante o modelo de gestão, procuram fazer a diferença, que arriscam e tentam inovar, apesar das dificuldades. Ao colocarmos todos no mesmo molho, estamos a, paradoxalmente, contribuir para perpetuar o sistema que criticamos.

Nada do que aqui escrevi serve para que que se abandone a critica, mas sim para que se critique com base na empatia e compreensão contextual. Os problemas raramente têm soluções simples e quem se propõe estar na linha da frente, neste caso os diretores, enfrentam constrangimentos que nem sempre são visíveis de fora.

Nesse sentido, é importante substituir os “achismos” e as perceções pessoais por análises mais fundamentadas. Preferir uma observação paciente e informada em detrimento de julgamentos precoces.

Não é assim tão raro deparamo-nos com a situação de termos de recuar com a opinião sobre um determinado assunto, depois de termos pacientemente tentado perceber o porquê das coisas.

Uma democracia madura deve reconhecer que a crítica tem um lugar construtivo essencial, mas também deve reconhecer que essa crítica deve vir sustentada numa disponibilidade para compreender a complexidade dos desafios que se critica. Precisamos de vozes críticas, mas precisamos de vozes informadas e construtivas.

Só com uma postura de crítica construtiva é que poderemos ultrapassar a cultura vigente na sociedade portuguesa do “bota abaixo” e assim conseguirmos construir um diálogo social que, em vez de apenas tentar derrubar, seja capaz de construir alternativas viáveis.

Criticar é fácil, ser capaz de compreender, propor e construir é todo um outro mundo.

 

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